21 dezembro 2005

A fita

Numa janela de um prédio num 5º andar em pleno areeiro existe uma fita amarela e preta a delimitar um espaço.
Houve um crime? É possível.
Já há dois dias que me indago acerca da existência da dita fita.
Alguém morreu em plena quadra natalícia. E que tragédia!
O suicidio de um jovem que sonhava encontrar a paz e a felicidade nas palavras que escrevia e que nunca via publicadas em livros.
Dez anos depois de 1981, perdido numa cidade como Lisboa, o jovem suicida, suicidou-se. Precisamente no dia em que completava o seu 24º ano de vida malfadada...
Ele estava sozinho em casa e depois de ter fumado o seu último cigarro, olhou-se ao espelho. Pela última vez. Rodopiou pela casa. Pela última vez e pela última vez olhou o relógio digital que mostrava as 19:45.
Depois de ter deixado uma mensagem em cima da mesa do telefone portátil que se encontrava à direita da porta de entrada, cuja cor vermelha lhe transmitia bastante energia. Ele havia pintado a porta dois anos antes, depois de ter aderido à 'moda do feng shui e às filosofias de vida orientais. Ainda assim, depois de ter "virado a casa de pernas para o ar", concluiu que aquela casa não era o seu espelho.
Continuou a escrever desalmadamente as suas crónicas desesperadas de amores e desamores, de encontros e desencontros, de realidades e de fantasias. Mas os jornais que recebiam os seus textos, nunca os publicaram. Talvez por nunca os terem pensado bons.
Ele concluiu pois que a sua vida não fazia sentido e desligou tudo o que eram electrodomésticos. Desligou as luzes e quando se sentiu preparado, subiu ao parapeito da janela e respirou bem fundo o ar poluído da rua repleta de gente e de tráfego. Fechou os olhos e deu um passo para o abismo. Abriu os braços e voou.
Nesse momento recordou a música de Jorge Palma, que numa fracção de segundos foi sinapseando no seu cérebro.

Quando o Sol chegou
Aos subúrbios da cidade
Anunciando mais um dia
Igual aos outros
Ele acordou e pressentiu
Que hoje o seu dia ia ser
Diferente
Sentiu nos lábios o sabor
Dum sorriso
Finalmente triunfante
Escorregou da cama
E contemplou
O espelho sorridente
Acabou-se a incerteza
Dos seus passos em volta
Dum sentido que ele nunca
Encontrou
Pela primeira vez
Tinha o destino nas mãos
Desta vez ele não duvidou
Sentiu-se invadir
Por uma estranha lucidez
Que o conduzia pelas calhas
Do passado
Serenamente descobriu
Que afinal tudo tinha o seu
Sentido
Levou o olhar à janela
Lá em baixo
A rua estava abandonada
Levantou o fecho
E de repente
Alcançou a liberdade
Acabou-se a angústia
Dos seus passos em volta
Dum amor com que ele apenas
Sonhou
Pela primeira vez
Tinha o futuro nas mãos
Abriu a janela e voou

...De repente ouviu-se um estrondo! As pessoas nas paragens de autocarro estagnaram a olhar, boquiabertas e completamente chocadas.
O corpo manteve-se intacto, mas com laivos de sangue a escorrer pela calçada suja e já gasta.
Chamaram a polícia e toda a rua parou em admiração, choque e lamentação.